terça-feira, 20 de setembro de 2016

Supermercado de gente


Hoje vou contar uma história pós-moderna. Na semana passada, em visita a um amigo, me deparei com uma situação pra lá de inusitada para mim, embora mais do que comum para milhares humanos solitários ou mal-amados. Estava lá o rapaz,  jovem ainda e bem afeiçoado, diante de uma máquina, cujo teclado lhe dava asas e cuja tela o transformava em galã, com retoques e ajustes de luz, sobra, cor e outros atributos favoráveis às suas feições.

Do outro lado da tela, várias bonecas solteiras, divorciadas, casadas(?), caras sorridentes, cabelos sedosos e peles em pêssego. O que fazia aquele jovem diante de tantas caras bonitas? Procurava um par romântico para viver eternamente ou, em fração de segundos, acabaria com os sonhos e as vidas de tantas bonecas? Difícil saber.

Na minha atual condição de solteiro e homem pós-moderno, sobrevivente ao Século 21, não contive o desejo e a curiosidade de acessar aquele site ao chegar em casa. Diante do computador, refiz os passos do meu amigo e me deparei de imediato com uma solicitação de adesão a determinado plano, à escolha do freguês. A opção de ter acesso gratuito era muito limitada e oferecia apenas frases pré-fabricadas para iniciar uma conversa. Algo me dizia que eu não demoraria muito naquele ambiente e optei pela versão gratuita da tal vitrine humana.

De repente, muitas bonecas, loiras, morenas, encarnadas do sol, paisagens exuberantes e, é claro, peles de pêssego. De acordo com os desejos digitados no teclado, as opções iam mudando, novas caras aparecendo e outras sendo subtraídas. Sabe quando a gente acessa o site de uma montadora e vai acrescentando acessórios ao veículo desejado? Me senti na concessionária Fiat mais próxima.

Ao selecionar as opções, algumas bonecas eram eliminadas e outras apareciam com um “tícket” verde, indicando que aquelas se enquadravam no meu sonho de consumo. Agora não imaginei mais a concessionária Fiat, mas me vi em um grande supermercado, onde colocava no carrinho aquela mercadoria que se enquadrava no meu desejo. Vi no rosto de cada uma delas um pedaço de Filé Mignon, de Alcatra ou de Patinho. Vi no corpo de cada uma a possibilidade de ser feliz – ou não – mas não imagino que se possa comprar tal felicidade.
Também me imaginei sendo visto do outro lado da tela como uma mercadoria, assim como as bonecas de pele de pêssego que estavam ao meu alcance. Seria eu o filé de uma semana inteira ou apenas o pedaço de carne do churrasco do domingo? Como havia previsto no início não demorei muito naquele ambiente. Em menos de 24 horas cancelei minha conta gratuita e deixei de estar disponível para consumo.

Saí do supermercado de gente. Não me senti bem ao ver pessoas como mercadoria e tirei meu rosto e meu corpo da vitrine. Por outro lado, sei que este supermercado vai muito bem, obrigado! Que centenas de pessoas já encontraram os príncipes e as princesas encantados. Que muitos terceiromundistas conseguiram galgar a sonhada viagem à Europa. Que outras pessoas trouxeram para o Terceiro Mundo o príncipe europeu para um banho de mar no Nordeste brasileiro. Tudo via o supermercado de gente que, como tudo na vida, tem o belo e o feio, o paraíso e o inferno, o instantâneo e o eterno. Sorte daqueles que encontraram o eterno!

Enquanto sobrevivente ao Século 21 estou na geladeira da história, não estou no  supermercado de gente. Não sei até quando!   kkkkkk.

 Estou para jogo, mas sem código de barra. Estou na praia, na missa de domingo, no teatro e na praça do açaí! Pra falar comigo não precisa de senha nem de pseudônimo, basta um boa tarde ou até perguntar um endereço só pra puxar conversa.

Quanto ao meu amigo. Será que ele já  casou e se mudou para a Europa? Vou até ligar pra saber!

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